sábado, 26 de março de 2011

ACOSTAR-SE

“Que ninguém me diga como é doce a Tua voz; eu mesmo vim prová-la, ouvi-la me chamar”.

Gosto muito desse verso. É de uma música Jorge Camargo, “Intimidade” – título bastante sugestivo, que, inclusive, dá nome ao próprio CD (aliás, em minha modesta opinião, um dos melhores CDs cristãos que já ouvi).

Vivo um tempo em que as teologias sobre Deus se multiplicam. Os porta-vozes divinos surgem em cada esquina. Cada igreja testifica que tem a “última palavra” sobre a vontade de Deus, o melhor modelo cristão, o fogo mais santo, a visão mais coerente da Bíblia – ou a mais contextualizada, ou a mais humana, ou a mais transcendental etc.

Sempre que me deparo com toda essa discussão, os versos acima me acorrem à mente.

Lembro-me também do Salmo 34, verso 8, que exprime um chamado do coração de Deus para nós, seres humanos:

“Provai, e vede que o Senhor é bom”.

Quem tem a última palavra na teologia? Quem recebeu a franquia divina para ser a assistência técnica autorizada de Deus neste mundo?

Que fique claro (parte 1): não me incomoda que cada cristão, líder ou igreja apresente sua própria visão das escrituras. O que me incomoda é quando esta visão se quer impor sobre as demais.

E também há outra postura que me incomoda em todo esta celeuma: quando eu vejo que muitos líderes, na melhor intenção de apresentar a sua visão de Deus, mais se esforçam para vender suas próprias ideias do que para seu rebanho desenvolva uma relação íntima com Deus.

Uma relação que começa dentro de nossos quartos, a portas cerradas, onde ninguém dita regras sobre o que, como e quando eu posso pedir algo a Deus.

Uma relação que me permita acostar ao peito de Jesus e fazer uma pergunta arriscada sem medo de ser censurado, como fez “o discípulo a quem Jesus amava” (“Senhor, quem é aquele que te haverá de trair?” – Jo 13:21-26).

Uma relação em que Deus esteja de portas abertas pronto para me ouvir, sem hora marcada, dizendo: prove, Sasha, e veja!

Infelizmente, nosso debate perde, muitas vezes, a beleza de perceber Deus na alteridade, na visão do outro. A riqueza da diversa e multifacetada graça de Deus...

Mas, que também fique bem claro (parte 2): não sou teólogo, não sou culto, não sou filósofo e, às vezes, me pergunto se tenho moral sequer para ser chamado de cristão.

Portanto, não sou o mais gabaritado para discutir sobre Deus.

Se bem que, no final das contas, alguém é?

8 comentários:

  1. parabéns Sasha pelas belas palavras e reflexão coerente. Realmente que tem o direito de empurrar guela abaixo as verdades individuais sobre Deus. Pois é, quero me apropriar de uma frase de um nosso amigo em comum: "Prefiro ser feliz do que estar certo".
    Abraços
    valdevino

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  2. Muito bom texto Sasha. A moral que vc tem pra falar é a mesma de Billy Gram. O povo dito cristão se prende em questões filigramas, enfatizando as diferenças e esquecendo do amor. O que me entristece são as confusões geradas em nome de causas completamente irrelevantes! Por que não amar aquele que tem uma opinião diferente da minha? Sei não... faço minhas as palavras de João Alexandre "Eu prefiro acreditar cristo viva e vai voltar pra acabar com essa guerra... O que é pó retorna a terra.Quando a vida se acabar nova vida vai brotar sem paixões, sem dor, sem guerra".

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  3. Só para me identificar...sou o Homero, Ser Integral é o título do meu blog.
    http://pensamentodoser.blogspot.com/

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  4. Alguém já disse que o genuíno cristão é aquele que desenvolveu a habilidade de questionar a si mesmo. Nosso mundo evangélico necessita urgentemente adquirir essa habilidade, pois o que temos são guetos formados numa cultura fundamentalista, cujo maior patrimônio não é o de transformar a sociedade, mas o apego a rituais e liturgias superficiais. Justamente o que Jesus condenava nos judeus. Continue, Sasha, com a virtude de se questionar.

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  5. Belo texto. Concordo,Sasha... Estou completamente entediado dessas franquias divinas e destes assistentes técnicos que não sabem nem consertar o próprio radinho de pilhas espiritual. E completamente encantado com essa possibilidade de tentar essa intimidade com Deus e uma comunhao mais genuina apesar de meus erros e brabeza teológica. Quero estar perto dos que provam por si mesmos! Assim provaremos algo quando estivermos juntos.

    Lembro de algo que li em Celebração da disciplina de Richard Foster: a solitude é importante para que quando você estiver com as pessoas, você realmente esteja com elas.

    escreva mais vezes... abração!

    Murilo

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  6. Oi filho! Bom te ver de novo! Este enfado existencial-cristão-teológico está atacando o mundo hodierno...
    Bastante apropriada a sua reflexão e vem bem a calhar a frase de Jorge Camargo.
    Surpreendente! Quem pode discernir os pensamentos? Muito pano pras mangas e muito a discutir. A singeleza do Evangelho e a onipotência de Deus não nos permitem ir além do que possa imaginar nossa vã filosofia. Deve-se meditar na bíblia. Deve-se ler Shakespeare.
    Viva o Eduardo, seu pai! Homem inteligente, simples, cultíssimo e sem afetação. Uma das mentes mais brilhantes que eu jamais conheci.
    Te amo, filho da minha mocidade!

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  7. Ótimo texto, Chacha!

    Costumo dizer que Deus é muito mais experimentável que mensurável. Minha cabeça carteasiana tende a procurar encaixotar Deus para que Ele possa fazer completo sentido em minha inteligência. Mas o que é isso se não uma tentativa vã de se criar um deus como se faz um prato quilo, no self-service? No fim das contas, o deus empírico não é Deus. Esse, foge de nossa alçada. É soberano e amoroso ao mesmo tempo; é onisciente e nos dá liberdade de escolhas; é divino e altamente humano. O absolutismo simplesmente não funciona com Deus. Nossas divagações são meros rascunhos daquilo que Ele realmente É.

    No entanto, o que sabemos é suficiente para nos aproximar dEle e dos outros, para que em amor possamos dar significado à nossa existência. Na minha opinião, nossas discussões teológicas deveriam ser direcionadas nesse sentido. Se mais causam divisão, concordo com você, são fracas tentativas de venda de nossas idéias pessoais.

    Abraços,
    Levi.

    [Visita lá meu novo blog: http://adminutim.wordpress.com. Só um post, por enquanto.]

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